28.5.07

Jornalismo portuense

... se estiver à procura de decoração em estilo menos convencional, pode tirar algumas ideias na loja Petit Cabanon.

in Jornal de Notícias, 27 de Maio 2007
Paula T. Gonçalves (ver aqui)

26.5.07

work in progress - Entrez Lentement



o Cabanon é um work in progress que se desenrolará durante as próximas semanas.
Images are coming soon, we promise.

Fotos: Le Corbusier pintando murais na Villa E-1027, em Cap-Martin. Eileen Gray, autora da casa, ficaria furiosa com o feito, que "violava" as paredes brancas da sua casa. Um dos murais de Le Corbusier integra a frase "entrez lentement", escrita inicialmente por Gray, com stencil de Corbu, nas suas próprias paredes. Corbuseire invejaria a casa e tentaria por diferentes formas adquiri-la e marcá-la como sua.

25.5.07

Convite . Invitation






inauguração . opening

26 Maio 2007 16h no CCBombarda

Rua Miguel Bombarda 285, Porto

petit CABANON: estrutura da folha de sala

_estrutura do texto da folha de sala

part 1: petit cabanon
part 2: Cabanon? (Pequenas histórias situadas e não exaustivas)
part 3: Mas então, o que se fazia no Cabanon? Esse é um ponto interessante, porque nunca o saberemos …
part 4: … mas sempre podemos conjecturar.

23.5.07

Petit CABANON

“Extérieurement elles semblent plus issues de l´univers prosaïque des loisirs populaires que d´une approche moderne et savante du projet architectural. (…) L´ensemble très contrasté de ces singularités produit des objets d´apparence peu explicite.»[i]

Trata-se de uma simples cabana de madeira construída na costa de Cap-Martin para residência de férias de Le Corbusier, nos anos 1950/51/52[ii]. Ainda que à primeira vista um olhar (bastante) desatento o pudesse confundir com uma construção anónima, ou com um acto de contenção de recursos, o Cabanon é uma pequena obra erguida para o próprio LC no momento áureo do segundo pós-guerra. Estava-se no início da reconstrução e desenvolvimento da França, numa fase de encomenda pública volumosa e de projectos de grande escala, na afirmação definitiva da carreira do Mestre Modernista.

É surpreendente constatar que, por volta da data em que construiu o pequeno Cabanon, LC estava envolvido nalguns dos projectos mais marcantes da sua obra: terminava a “Unité de Habitación” de Marselha e iniciava os desenhos da mítica igreja de Ronchamp. Simultaneamente, apresentava os também famosos desenhos da escultura “La Main Ouverte” e iniciava os planos da cidade de Chandigarh, publicava a obra “Modulor I” e expunha no MOMA de Nova Iorque.

A cabana situa-se à sombra de uma grande árvore, num pequeno e estreito terreno ao longo da encosta sobre a baía, justaposta a um modesto restaurante. O local tem uma vegetação densa e uma vista deslumbrante sobre a paisagem e sobre o mar. O abrigo é definido por troncos de madeira, com meia dúzia de aberturas e cobertura inclinada de chapa ondulada, cujo interior em open-space cria um existenz mininum com menos de 15m2 modulado segundo a métrica publicada no Modulor.

A história da Arquitectura expõe, brevemente, as influências e referências à obra de LC no Cabanon ou, em abordagem inversa, contextualiza o Cabanon na demais produção, dada a importância inegável que este teve na experiência sobre o Modulor[iii]. Alguns temas neste pequeno edifício estão profundamente interligados com a produção maior de LC, seja na experimentação de tecnologias – como as janelas-respiradouro –, na introdução de objectos técnicos – lavabo sueco industrial para carruagem, ou candeeiros náuticos encontrados na praia –, na linguagem formal do interior – apainelados de madeira, superfícies coloridas e reflexos – ou na introdução de elementos pictóricos e plásticos do próprio autor na definição de espaços.

Contudo, o Cabanon de LC é uma obra considerada “menor” na história da Arquitectura, escondida nas listagens da extensa produção arquitectónica do grande Mestre Modernista e referida como “protótipo à escala” para a experiência ulterior do Modulor nas suas obras principais. De resto, o próprio nome “cabaninha” e as suas diversas traduções na bibliografia – “choupana”, “choça”, “cabana” – minimizam a sua importância e, através do vocabulário, remetem o Cabanon para o terreno vernacular.

Interessa-nos um aspecto particular deste edifício: no Cabanon desenvolve-se uma prática banal do espaço arquitectónico, originando um espaço de contradição com a Obra Moderna (representada pelo próprio LC). No Cabanon Le Corbusier enuncia a teoria moderna e ilustrada da Arquitectura, contudo habita-a com um comportamento adisciplinar e bastante anónimo, introduzindo no seio da Arquitectura uma ocupação não-tipificada (nem regulamentada) do espaço, baseada na fragilidade dos usos e práticas quotidianas espontâneas.

[i] Chiambretto, Bruno “Le Corbusier à Cap-Martin”, Éditions Parenthèses, Marseille, 1987, p.7
[ii] A data de construção do Cabanon é difícil precisar. Se a biografia oficial elaborada pela Fondation Corbusier refere o ano de 1950, outra bibliografia divide a obra por duas datas: esquiço em 30 de Dezembro 1951 e construção durante o ano de 1952. (ver Biografia em www.fondationlecorbusier.asso.fr e Petit, Jean - “Le Corbusier Lui-même” – Editions Rousseau, Genéve, 1970, pg.105-113)
[iii] Sobre a importância do desenho interior do Cabanon ver a reconstrução que a empresa de mobiliário Cassina realizou na Trienal de Milão de 2006. Ver catálogo Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-Cassina 2006” Cassina - Electa, Milano, 2006







“Extérieurement elles semblent plus issues de l´univers prosaïque des loisirs populaires que d´une approche moderne et savante du projet architectural. (…) L´ensemble très contrasté de ces singularités produit des objets d´apparence peu explicite.»[i]

Trata-se de uma simples cabana de madeira construída na costa de Cap-Martin para residência de férias de Le Corbusier, nos anos 1950/51/52[ii]. Ainda que à primeira vista um olhar (bastante) desatento o pudesse confundir com uma construção anónima, ou com uma acto de contenção de recursos, o Cabanon é uma pequena obra erguida para o próprio Corbu no momento áureo do segundo pós-guerra. Estava-se no início da reconstrução e desenvolvimento da França, numa fase de encomenda pública volumosa e de projectos de grande escala, na afirmação definitiva da carreira do Mestre Modernista.

É surpreendente constatar que por volta da data em que construiu o pequeno Cabanon, LC estava envolvido nalguns dos projectos mais marcantes da sua obra: terminava a “Unité de Habitación” de Marselha e iniciava os desenhos da mítica igreja de Ronchamp. Simultaneamente, apresentava os também famosos desenhos da escultura “La Main Ouverte” de Chandigarh, publicava a obra “Modulor I”, expunha no MOMA de Nova Iorque, e iniciava os planos da cidade de Chandigarh.

A cabana situa-se à sombra de uma grande árvore, num pequeno e estreito terreno ao longo da encosta sobre a baía, justaposta a um modesto restaurante. O local tem uma vegetação densa e uma vista deslumbrante sobre a paisagem e sobre o mar. O abrigo é definido por troncos de madeira, com meia dúzia de aberturas e cobertura inclinada de chapa ondulada, cujo interior em open-space cria um existenz mininum com menos de 15m2 modulado segundo a métrica publicada no Modulor.

A história da Arquitectura expõe, brevemente, as influências e referências à demais obra de LC no Cabanon, ou, abordagem inversa, contextualiza o Cabanon na demais produção pela importância inegável da experiência sobre o Modulor[iii]. Alguns temas neste pequeno edifício estão profundamente interligados com a produção maior de LC, seja na experimentação de pequenas tecnologias – como as janelas-respiradouro –, na introdução de objectos técnicos – lavabo sueco industrial para carruagem, ou candeeiros náuticos encontrados na praia –, na linguagem formal do interior – apainelados de madeira, superfícies coloridas e reflexos – ou na introdução de elementos pictóricos e plásticos do próprio autor na definição de espaços.

Contudo, o Cabanon de Le Corbusier é uma obra considerada “menor” na história da Arquitectura, escondida nas listagens da extensa produção arquitectónica do grande Mestre Modernista e referida como “protótipo à escala” para a experiência ulterior do Modulor nas suas obras principais. De resto, o próprio nome “cabanão” e as suas diversas traduções na bibliografia – “choupana”, “choça”, “cabana” – minimizam a sua importância e remetem o Cabanon para um episódico terreno vernacular.

Interessa-nos um aspecto particular deste edifício: no Cabanon desenvolve-se uma prática banal do espaço, criando um espaço de contradição com a grande Obra Moderna (representada pelo próprio LC). No Cabanon Le Corbusier enuncia a teoria moderna e ilustrada da Arquitectura, contudo habita-a com um comportamento adisciplinar e, bastante, anónimo, introduzindo no seio da Arquitectura uma ocupação não-tipificada (nem regulamentada) do espaço, baseada na fragilidade dos usos e práticas quotidianas espontâneas. Prende-se aqui investigar este aspecto, tangencial à história mais oficial do edifício, para, numa visão mais ensaística, pensar sobre os frágeis conceitos de espontaneidade e improviso em arquitectura e sobre a potencialidade da prática de um espaço de encontro informal.

[i] Chiambretto, Bruno “Le Corbusier à Cap-Martin”, Éditions Parenthèses, Marseille, 1987, p.7
[ii] A data de construção do Cabanon é difícil precisar. Se a biografia oficial elaborada pela Fondation Corbusier refere o ano de 1950, outra bibliografia divide a obra por duas datas: esquiço em 30 de Dezembro 1951 e construção durante o ano de 1952. (ver Biografia em www.fondationlecorbusier.asso.fr e Petit, Jean - “Le Corbusier Lui-même” – Editions Rousseau, Genéve, 1970, pg.105-113)
[iii] Sobre a importância do desenho interior do Cabanon ver a reconstrução que a empresa de mobiliário Cassina realizou na Trienal de Milão de 2006. Ver catálogo Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-Cassina 2006” Cassina - Electa, Milano, 2006

Cabanon? (Pequenas histórias situadas e não exaustivas[*])

A concepção do Cabanon é sintetizada num breve trecho escrito por Le Corbusier. Na micro-história relacionam-se duas origens: Yvonne, a companheira a quem oferecera/dedicara o refúgio de verão do casal em Cap-Martin, e o Modulor, cuja eficácia garantiria a solução encontrada: “Le 30 Décembre 1951, sur un coin de table, dans un petit casse-croûte de la Côte d´Azur, j´ai dessiné pour en faire cadeau à ma femme, pour son anniversaire, les plans d´un «cabanon» que je construisis l´année suivante sur un bout de rocher battu par les flots. Ces plans (les miens) ont été fais en trois quarts d´heure. Ils sont définitifs: rien s´à changé ; le cabanon a été réalisé sur la mise au propre de ces dessins. Grâce au modulor, la sécurité de la démarche fut totale. L´intérieur contient toutes les gentillesses que l´architecte peut sortir de son sac[i]. O Cabanon sintetiza princípios da grande obra Moderna, espacializa a recherche patiente e revela a vida pessoal do autor.

A história situa-se também num contextos de relações: os afectos pelo Mar Mediterrâneo, pela localização micro-geográfica na Côte d´Azur e na relação de amizade com um invulgar grupo de companheiros. Ambas situações (geográfica e humana) definiram a localização do Cabanon. Yvonne era natural da Côte d`Azur. Le Corbusier glorificava na sua obra o verde, o sol, a luz, o ar e referia a sua identificação: “En tout je me sens Méditerranéen. Mes détentes, mes sources, il faut aussi les trouver dans la mer que je n´ai jamais cessé d´aimer[ii].

Desde os anos 30 frequentavam a Villa E 1027 em Roquebrune-Cap-Martin, propriedade de Jean Badovici, seu editor e fundador da revista L`Architecture Vivante. Badovici e Eileen Gray foram os autores, em 1927, desta famosa casa nas rochas, banhada pelo mar, conhecida por “Casa Branca”, onde LC vinha desde então realizando pinturas murais. Ponto de encontro sazonal das vanguardas artísticas parisienses, a própria casa “marque un jalons dans l´histoire de l´architecture moderne; lieu de convergence et de confrontations entre plusieurs thèmes clés de la modernité – espace minimal et deploiment du corps dans l´espace, mediterranéitée, purisme, mise en ouvre des technologies avancées...”[iii]

Conhecedor das excelentes condições e qualidades do local, em 1949 LC convidou José-Louis Sert, Paul-Lester Wiener e os seus colaboradores para ocuparem a casa durante o verão, e aí desenvolverem o plano de urbanismo de Bogotá. Tratando-se de um grande grupo para alojar e alimentar, organizaram as refeições num pitoresco restaurante localizado nas traseiras da casa, a “guinguette[iv] Étoile de Mer, que dispunha de uma grande varanda sobre o mar coberta de vegetação e decorada com temas marinhos.

Aqui, no pequeno restaurante, deu-se o início de uma grande e longa amizade do casal Corbusier com o Sr. Robert Rebutato, proprietário e antigo canalizador reformado que se estabelecera com este pequeno negócio para os banhistas que, no pós-guerra, começaram a frequentar a costa e a construir cabanas e alojamentos precários para veraneio[v].

Partilhando um fascínio pelo litoral, pelo mar e pelas actividades ociosas, Rebutato e Le Corbusier convergiriam também nos seus interesses: Le Corbusier tinha o plano de urbanizar no litoral, prevenindo o fenómeno de autoconstrução que nos anos 50 começara a depradar a costa e propondo um ordenamento da “cabanização” em curso. Os exemplos de autoconstrução que LC observara nas suas viagens ao Oriente e ao Magreb interessavam-no, em articulação com os sistemas de medida e proporção de espaços mínimos que desenvolvia então no Modulor. Rebutato pretendia construir no seu terreno uma série de “cabanons” para alojar veraneantes, “version populaire du phénomène da double residentialité[vi], corrente no final da década de 40.

O conhecimento com Rebutato é um episódio central na história do Cabanon: a construção está localizada no jardim do seu restaurante, numa curiosa ocupação de terreno alheio, gerida em sistema de co-propriedade. Com base num acordo mútuo, enquanto Rebutato serve as refeições, LC investigaria e desenharia uma ocupação deste terreno com “cabanons” para que Rebutato construísse e fizesse exploração hoteleira. Após diversas soluções, avanços e recuos, a construção do complexo aconteceu em 1957, quando LC financiou um projecto modesto de 5 habitáculos – filiados no Cabanon – pagando assim a sua parcela de terreno.

O inusitado processo de partilha de terreno e de tarefas domésticas entre cliente/arquitecto/promotor/construtor são explicados na vida em comum e no deleite e consolo encontrado neste espaço. Isto leva-nos a repetir a pergunta de Bruno Chiambretto: “LC ne succomberait-il pas aussi à cet attrait des avant-gardes pour le «populaire», pour toutes ces sociétés en marge, dont les lieux d´élection sont au détour de la «grande ville» ?”[vii]

O Cabanon faz-nos pensar sobre os frágeis conceitos de espontaneidade e improviso em arquitectura e sobre a potencialidade da prática de um espaço de encontro informal. Pode haver uma outra história do Cabanon que se baseia nos usos e práticas espontâneas do espaço interior e exterior, na ocupação não-tipificada do espaço, e na fragilidade das práticas quotidianas.


[i] Petit, Jean - “Le Corbusier Lui-même” – Editions Rousseau, Genéve, 1970, pg.112
[ii] Le Corbusier, Julho de 1965 citado em “Le Corbusier et la méditerranée” - Éditions Parenthèses, Musées de Marseille, 1987, p. 7
[iii] Chiambretto, Bruno “Le Corbusier à Cap-Martin”, Éditions Parenthèses, Marseille, 1987, p.11 A Villa E 1027 esteve abandonada durante anos, estando previsto o seu restauro no ano de 2007.
[iv] A “guinguette” era um tipo de restaurante popular extinto na década de 60, onde se praticavam entretenimentos simples, como a música popular, a dança e o convívio nos terraços exteriores.
[v] Entre as duas Grandes Guerras ocorreu um fenómeno semelhante de ocupação da costa para veraneio, que se dissipou durante a 2ª Grande Guerra. Por curiosidade, fica o refrão de uma música popular em 1930, de Vincent Scotto, cujos temas coincidem com os do Cabanon:
“Un petit cabanon pas plus grand qu'un mouchoir de poche,Un petit cabanon au bord de la mer sur des rochesPour vivre qu'il fait bon quand la blague à son toit accrocheSon pavillon joyeux qui claque dans notre ciel bleuA l'intérieur, sur un' table, c'est tout oui sur cett' table” Fonte: www.paroles.net
[vi] Chiambretto, Bruno “Le Corbusier à Cap-Martin”, Éditions Parenthèses, Marseille, 1987, p.12
[vii] Chiambretto, Bruno “Le Corbusier à Cap-Martin”, Éditions Parenthèses, Marseille, 1987, p.13

Mas então, o que se fazia no Cabanon? Esse é um ponto interessante, porque nunca o saberemos …

O Cabanon é uma construção peculiar, cuja contradição mais visível reside no contraste entre um interior rigorosamente desenhado e um exterior anónimo e banal. O interior, assemelhado a uma “cabine de luxo”, está amplamente publicado, seja por fotografias ou pelas reproduções dos desenhos e esquiços originais nos cadernos de LC, ou nos estudos de reconstrução de historiadores e alunos. O interior – open space dedicado às funções íntimas (descanso, higiene e reflexão) – é definido pelo mobiliário, que consta de duas camas dispostas ortogonalmente (separadas por uma mesa baixa), um grande armário embutido, uma coluna sanitária com lavatório e prateleiras e, apenas separada por uma cortina, a sanita. O único elemento não ortogonal é uma mesa com estante de livros e bancos para zona de trabalho, reflexão e meditação.

Exaltando o belíssimo espaço e a potencial reprodutibilidade técnica deste módulo, a Cassina – empresa que detém a patente do mobiliário de vários mestres modernistas – reconstruiu em 2006 o interior do Cabanon para exposição pública na Trienal de Milão[i]. O recinto, a modulação espacial, o mobiliário, os materiais, a fenestração, os acessórios foram fielmente reproduzidos. Filippo Alison, curator da reconstrução, sublinha a importância do interior: “what is lacking in the exterior is made up for abundantly in the interior with its surprising attentions to the art of living.”[ii]

Contudo, o exterior do Cabanon não pode ser entendido como uma “falha” na sua concepção. Pelo contrário, não sendo parte integrante do seu desenho, é a “art of living” que o contempla. Renato de Fusco corrobora: “(…) the singularity of the Cabanon lies in that, beside the categories of the useful and the futile, there is a third: an instance of this is the best part of this interior, the big mural which is traced with a kind of I-couldn’t-care-less attitude: and in the middle of the big painted wall there is a door leading through to the adjoining Étoile de Mer restaurant, where the great architect used to take his meals[iii]. O exterior – restaurante, jardim, árvore, mar – é parte integrante do Cabanon. Estes não são divisíveis, sob pena da abolição do espaço exterior reduzir o Cabanon a um habitáculo descontextualizado, apagando as condições menos materiais, e irreplicáveis, que se prendem com a mediterraneidade e com os improvisos implicados na sua prática/uso.

O Cabanon está protegido sob uma grande árvore alfarrobeira, numa parcela de terreno estreito que se desenvolve a sul. O existenz minimum, reduzido e estanque, definido nos primeiros esquiços pela posição do seu mobiliário e pelas funções do seu interior; vê o seu uso estendido no exterior, reconciliando tanto a ruptura da linguagem interior-exterior (troncos rústicos/apainelados e pintura), como a rígida distribuição de funções interna com a livre ocupação externa.

Está encostado ao restaurante Étoile de Mer – para cujo interior existe a passagem directa. A Étoile de Mer é uma espécie de sala de visita/sala de jantar/varanda/bar do Cabanon, a porta de passagem para o restaurante (versão radical do passa pratos), onde se faziam as refeições e os encontros de grupo, amplia o Cabanon para além da sua implantação e inclui os Rebutato e seus amigos na zona de refeições (o Cabanon não dispunha de cozinha).

Ao longo do tempo LC foi ocupando e invadindo livremente todo o terreno, numa técnica popularmente chamada “avancée”, um modo de “croissance sauvage du cabanon qui, dans de multiples variantes, consiste à étendre la construction, ou son territoire, par à-coups successifs (les avancées) et assez discrètement pour que les autorités ne les remarquent pas, ou bien trop tard[iv]. Atentemos no conjunto e sua orgânica: da apropriação do Cabanon e articulação com o terreno, à improvisação inventiva sobre o espaço livre (usado para construção), às relações orgânicas e afectivas entre os diferentes edifícios e o seu exterior. LC, progressivamente, vai estendendo o recinto da casa pelo jardim até aos rochedos, ao Mar, incluindo a Étoile de Mer, sua varanda, e todo o terreno exterior, espaço não murado e com acesso reservado.

Descobrindo que a sua área de trabalho no Cabanon é insuficiente, em 54 LC amplia o seu lugar de “recherche patiente”, montando um banal “abrigo” de estaleiro obra, com 2x3m, pintado de verde, no extremo do terreno oposto ao Cabanon. Nos topos do terreno ficam definidas duas áreas cobertas, uma para viver, outra para trabalhar. Entre ambas construções existe terreno apropriável onde se desenvolve o dia-a-dia, numa localização híbrida num interior/exterior recoberto de vegetação. Aí, sob a árvore, LC instala uma mesa e cadeira no exterior onde desenha e pinta, em frente à baía do Mónaco. LC chama-lhe “salon d´été”: quando a cabana de trabalho se torna demasiado quente, e o cabanon demasiado pequeno, o “salon d´été” amplia a área disponível. O banho exterior, delícia das práticas naturistas, complementa o conjunto invertendo definitivamente a ideia de espaço público e privado.

Não nos importa aqui (e talvez não houvesse acesso a documentos para tal) escrutinar e reconstruir exaustivamente todas as actividades que tinham lugar no recinto do Cabanon. Sabemos que algumas obras de LC foram concebidas, desenhadas ou desenvolvidas no próprio Cabanon e que foram várias as relações de amizade e de trabalho que aí estiveram reunidas. Os amigos de LC recordam que “at Cap-Martin Le Corbusier could become the noble savage: sunbathing, swimming, painting, entertaining informally. His friends remember him in shorts, a Pastis in one hand, perhaps enthusing about the limpid undersea world he had seen that morning, telling preposterous stories or arguing some fine point the Modulor. At Cap –Martin the bitterness and defences were laid aside in favour of the art of friendship.”[v]

Le Corbusier afirmou a Brassai em entrevista: “Je me sens si bien dans mon cabanon que, sans doute, je terminerai ma vie ici.”[vi]. Encerrando o mito do mediterrâneo, Le Corbusier morreu durante um banho no Mar Mediterrâneo, a 27 de Agosto de 1965. Yvonne Le Corbusier-Gallis falecera a 5 de Outubro de 1957, em Paris. Yvonne e LC foram enterrados em Cap-Martin. O Cabanon perdura em Cap-Martin e continua a inquietar.

[i] Sobre a réplica ver Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-cassina 2006” Cassina - Electa, Milano, 2006. Uma análise crítica da construção desta réplica poderia reacender alguns pontos da discussão em torno da reconstrução do pavilhão Mies Van der Rohe, em Barcelona, no ano de 1983/86, tema que ficará remetido para posterior oportunidade.
[ii] Alison, Filippo “Spirituality and Poetics” p. 19-28 in Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-Cassina 2006 ” Cassina S.p.A e Mondatori Electa, Milano, 2006, p.22
[iii] Renato de Fusco “The original Project and the reconstruction by Cassina” p. 29-38 in Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-Cassina 2006 ” Cassina S.p.A e Mondatori Electa, Milano, 2006, p.32
[iv] Chiambretto, Bruno “Le Corbusier à Cap-Martin”, Éditions Parenthèses, Marseille, 1987, p.79
[v] Curtis, William J R - “Le Corbusier: Ideas and Forms” Phaidon Press, Oxford, 1986, p. 169 ver capítulo II ”The Modulor, Marseilles and the Mediterranean Myth”
[vi] Le Corbusier citado por Brassai “Les artistes de ma vie” Paris, Denoel, 1982, p. 84-91, referido em Chiambretto, Bruno “Le Corbusier à Cap-Martin”, Éditions Parenthèses, Marselle, 1987, p.5

22.5.07

… mas sempre podemos conjecturar.

A desconcertante micro-história do Cabanon, as contradições do protótipo universal com a complexidade do seu uso, a espontaneidade e o (aparente) improviso, desafiam-nos a deslocar a atenção da sua reconstrução (no campo da história) para uma conversa no âmbito do pensamento contemporâneo.

Numa perspectiva moderna este edifício é uma excepção isolável, “this way of living did not seem to be an intrinsic part of his doctrine, inasmuch as it was part of his private, personal life, his own context with its own poetry, things that were not to be reproduced[i], ele é fruto de um contexto específico que o afastou da vontade universalizante da doutrina moderna. Contudo, considerar a noção de situação, na metodologia crítica que Haraway denomina “situated knowledge[ii], possibilita-nos um novo pensamento sobre o edifício: se o conhecimento é situado, localizado e pertence a um conjunto de histórias – do autor, dos intervenientes, do historiador, do crítico -, também a vida e obra, contexto e reprodutibilidade, desenho e oralidade se tornam elementos indissociáveis, imprescindíveis na vivência e no estudo da obra. Para além de uma aproximação estritamente biográfica (que nos liga às férias de LC), a situação amplia o entendimento da obra e introduz a performance deste espaço. Esta inversão dos termos permite reconsiderar o Cabanon, para além da construção da pequena casa.

Como vimos, o cabanon não se refere apenas ao objecto edificado e implica a sua performance no tempo, num duplo sentido: o seu uso e as possibilidades do seu desempenho (do inglês performance). Pensamos que é a performatibilidade do espaço e o tempo para “estar em comum” que estendem a arquitectura e caracterizam o recinto do Cabanon. Prelorenzo evoca também as características das práticas veraneantes da época, “the notion of the cabanon does not hark back to an architectural typology, to an officialized programme and canonic forms (…) the mark of distinction of the cabanon is that it is first of all a way of living, a “spontaneous” way of occupying both closed and open spaces.” [iii] No cabanon a ideia de espontaneidade está para além do projecto e do desenho moderno e corresponde “first of all to a practice” of building holiday homes rather than a specific formal object. And it is this “practice” that was performed by Le Corbusier[iv]. A “performance”, ou “prática” do cabanon refere-se tanto ao processo de edificação e anexamento, como às possibilidades criadas no seu desempenho.

Mas afastemos duas interpretações extremas: a interpretação directa da arquitectura, no cabanon LC deslocaria o projecto da arquitectura moderna para uma performance de arquitectura moderna, hipótese interessante ainda que demasiado ambiciosa e especulativa. No sentido inverso, da leitura directa desta prática ficaria apenas implicada a eventual apologia da autoconstrução, o enaltecimento das contingências, do contexto, do improviso e do trabalho implicado na sua materialização – hipótese que falseia a génese da casa e minoriza as questões da autoconstrução.

Abrigo e refúgio, construção parasitária estendida num complexo local de encontro e reunião informal, cuja representatividade, linguagem e convenções sociais estão suspensas, em favor de práticas espontâneas e do improviso. É, contudo, interessante verificar que esta condição corresponde a inúmeros exemplos de autoconstrução ou urbanização espontânea. Corresponde-se com a autoconstrução como fenómeno natural para supressão de necessidades, mas também naquilo em que esta é capaz de gerar outras modalidades, mais informais, de “espaço público”. A sua edificação corresponde ao conceito de “obra ou fabricação” como definido por Hanna Arendt[v]- a operação humana sobre o natural que cria um mundo artificial.

Mas, para além do seu produto, o que elas potenciam está no domínio da “acção”, como definido por Arendt[vi], a actividade humana da pluralidade de seres singulares, não mediada por objectos, e de cuja expressão material tomam forma espaços físicos e ficam definidos espaços públicos como “locais de encontro”. Consideremos que muitos assentamentos de autoconstrução, com todo o tipo de construções híbridas, ocupações ilícitas, negócios imaginativos e negociações dos limites da legalidade, geram formas públicas de espaço e de modalidades informais de encontro. Alguns assentamentos improvisados definem espaços que dão visibilidade a realidades que antes delas não existiam – para-cidades para habitação de imigrantes, pequenos negócios ou locais informais de encontro, criando novos espaços públicos e economias alternativas. Ultrapassam a imediatez do “trabalho” implicado na construção para supressão de necessidades primárias e geram potencialidade.

Mas então, o que se fazia no Cabanon?”, parece-nos agora demasiado estreita esta pergunta. Consideremos antes o que fazia aquele cabanon? E o que se gerava da sua potencialidade?

Pelo exposto, está identificada uma disjunção entre o “Objecto” arquitectónico e a sua prática, isto é, entre as formas abstractas e os encontros e improvisos do/no espaço. Se deslocarmos a nossa atenção do “Objecto” arquitectónico, isto é, do campo da sua representações, linguagem, história, preservação, reconstrução e comunicação, e pensarmos antes a performance deste edifício, vemos que ele existe enquanto “Coisa” - ou “Thing” como definido por Heidegger[vii]. A “coisa”, refere-nos, é o lugar definido pela reunião de um conjunto de pessoas com os mesmos interesses e preocupações, organizadas pela mesma causa. Heidegger explica-nos ainda que ting é o étimo germânico partilhado por “coisa” e encontro/assembleia[viii] (em inglês “Thing” e “gathering”) e que da espacialização da causa – em latim res – surgiriam as primeiras assembleias e tomaria forma a esfera pública[ix]. Seria a “coisa”, ou “causa”, que criaria os recintos públicos e reuniria pessoas em encontros para debate e discussão, daí tomando forma os “objectos” arquitectónicos que os alojam[x]. Neste entendimento, os locais são, pois, a espacialização dos temas que reúnem uma comunidade ou conjunto de pessoas.

É no contacto entre a performance do moderno e a espontaneidade dos usos quotidianos, na hibridação entre a alta e a baixa cultura, que reside o ponto de contemporaneidade do cabanon. A experiência de reunião de um grupo e a partilha de temas e de interesses esteve na sua origem: dissidente do grupo da intelligentsia parisiense reunida no “salon” (d´eté, diríamos) da Villa E 1027, Corbusier sentiu-se impelido a gerar um outro espaço, que incluiria a construção do seu cabanon, estendido no terreno exterior, no restaurante, na varanda, na praia, etc., onde se ocupava da sua “recherche patiente”, mas onde recebia e se reunia durante o verão para actividades ociosas, debates e tertúlias com amigos. De um modo improvável, a espontaneidade e performatividade que o afastam da arquitectura Moderna, aproximam-no de algumas práticas artísticas contemporâneas que procuram, com sentido crítico, constituir e praticar hoje os seus próprios “cabanons”. Pensemos nas construções do Atelier van Lieshout, o trabalho performativo de Maria Papadimitriou, ou o trabalho de detournement que Doménec desenvolve sobre a Arquitectura Moderna.

Estas práticas estéticas, no campo da acção, entre arquitectura, arte e performance, articulam conceitos críticos e procuram com dispositivos físicos simples proporcionar “espaços de encontro”, tecendo propostas frágeis e efémeras baseadas (no que arriscamos chamar) na conversacionalidade, um espaço relacional baseado na articulação e na presença de diversas vozes que, conversando, vão improvisando e espontaneamente definindo “novos espaços públicos”. Considerar o Cabanon enquanto “projecto” manteve-o um nicho/limbo entre um módulo universal repetível e uma micro-história/geografia vernacular e pitoresca. Mas entendê-lo interligado com a sua “prática” ou “performance” resgata-o para o centro do debate da sua época, e propõe um modelo relacional que podemos testar também no tempo contemporâneo.

Reequacionando o pensamento sobre esta singular arquitectura, e olhando além da proveito estritamente ocioso, permitimos uma relocalização do objecto arquitectónico. Desta nova geografia situada que o faz nascer - entre o lugar, os materiais, o clima, o uso, o discurso e a conversa amena - podemos constatar que o Petit Cabanon resultava de (e num) conjunto de circunstâncias que potenciavam o que pode ser um espaço público: um espaço de encontro e discussão e onde acontece a construção de plataformas de cumplicidades e intimidades que articulam um vocabulário comum para uma conversa sobre o seu tempo.


[i] Prelorenzo, Claude “Interiors exteriors” p. 47-54 in Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-Cassina 2006 ” Cassina S.p.A – Mondatori Electa, Milano, 2006 p. 52
[ii] Haraway, Donna “How like a leaf: an interview with Thyrza Nichols Goodeve” Routledge, New York, 2000
[iii] “Not only for the fact that architects were never all that much interested in the news-stalls, garden sheds, beach huts and building-site shelters that the type of construction calls to mind.” Prelorenzo, Claude “Interiors exteriors” p. 47-54 in Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-Cassina 2006 ” Cassina S.p.A – Mondatori Electa, Milano, 2006, p. 50
[iv] Prelorenzo, Claude “Interiors exteriors” p. 47-54 in Alison, Filippo “Le Corbusier. L´interno del Cabanon. Le Corbusier 1952-Cassina 2006 ” Cassina S.p.A – Mondatori Electa, Milano, 2006, p. 50
[v] Arendt, Hannah “The Human Condition”, University Of Chicago Press, 1998
[vi] Arendt, Hannah “The Human Condition”, University Of Chicago Press, 1998
[vii] Heidegger, Martin – “The Thing”, 1951 texto reproduzido em Latour, Bruno, Weibel, Peter “Making Things Public. Atmosferes of democracy” ZKM, MIT, Karlsruhe e Londres, 2005
[viii] Em latim, os termos causa e coisa são os equivalentes a Thing. Enquanto em português o termo causa permaneceu na esfera pública, hoje coisa tem um significado mais próximo de objecto.
[ix] As primeiras assembleias no norte da Europa incorporam a denominação thing e ainda hoje a “coisa” denomina os parlamentos na Islândia - Althing ou "General Thing"-, na Dinamarca - Folketing ou "People's Thing"-, na Noruega - Storting ou "Great Thing". http://en.wikipedia.org/wiki/Thing_assembly
[x] Ver artigo Moreira, Inês – “Gathering: Reencontrar modos de encontro”, Junho 2007 in http://www.artecapital.net/opinioes.php

21.5.07

existenz minimun












Uma mesa_ dois bancos_ uma cama_ uma estante_ um armário

A table_ two benches_ a day bed_ a bookshelf_ a small closet

20.5.07

under construction.



Corbu desenhou e construiu a Cabana em Roquebrune-Cap Martin.
Ocupou o terreno do Restaurante Étoile-de-Mer e nele estendeu a sua casa.
Ofereceu-a à sua mulher. Aí passou os Verões praticando a "cabanière".
Até ao fim da sua vida.

 
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